segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Foge de mim

Devia ter-te avisado logo ...

Estava sentada á porta do meu prédio com a roupa colada ao corpo de tão encharcada que estava e a maquilhagem negra escorria-me pelos olhos. Chovia como ainda não tinha chovido neste ano e eu tinha vadiado durante horas e horas e acabado ali, sozinha, quando tu apareceste vindo por entre a chuva.
-Meu amor, que estás aqui a fazer? Estás toda molhada ! 
Tropecei nas palavras mas consegui-te explicar :
-Perdi as minhas chaves...  
Levantaste-me do chão a custo e cobriste-me com o teu guarda-chuva. E eu gritei, empurrei-te, bati-te e pedi-te que me deixasses. Feliz ou infelizmente fingiste não me ouvir e tentaste acalmar-me.
Expliquei-te que estava bem, que apenas tinha perdido as chaves mas que ia ter com alguém. Naturalmente, não acreditaste nas minhas explicações e pediste-me para ir contigo para tua casa:
-Vem S, não podes ficar aqui á chuva. 
Recusei mil vezes, tentei abrir a porta a toda a força mas a minha única solução era ir contigo ou passar o resto da noite á chuva. Ainda estive a ponderar muito bem a  segunda hipótese mas o teu sorriso enterneceu-me quando me disseste a abanar a cabeça :
-Sempre tão teimosinha !
Estava depois mais calma quando tiraste o teu casaco e mo pousaste nos ombros a dizer : Continuo a gostar tanto de ti S... 

Como por um sinal encontrei as chaves no bolso das calças e corri para dentro do prédio. Fechei a porta sem sequer te agradecer ou me despedir de ti, enquanto olhavas para mim pelo vidro.

Por favor não digas isso de novo, não me assustes. Outra vez.. 

domingo, 7 de outubro de 2012

Naquela noite, decidi esperar por ti acordada mais uma vez. 
Os meus olhos fechavam-se  e o peso que caia sobre eles tornava-se insuportável. Acho até que adormeci por instantes mesmo antes do cão da vizinha me dar sinal a mim e a todo o bairro da tua chegada. 
Shiiu, 'tá calado! disseste tu enquanto tentavas abrir o portão do jardim sem fazer o mínimo som.
 E eu? Eu observava da janela da sala o mesmo ritual de sempre : pastilhas na boca, ajeitar o nó da gravata, arranjar o cabelo e apertar a camisa até ao ultimo botão. Estavas pronto a entrar em casa e a dizer mais uma vez: Querida ainda estás acordada? Tive uma noite cheia de reuniões, só consegui voltar agora. E eu iria dizer como sempre : Não te preocupes...Então, passava a noite a  pensar na tua desculpa sem nexo até a minha cabeça não aguentar mais. Mas naquela noite foi diferente, naquela noite decidi que ia deixar de ser assim, ia gritar contigo, mandar-te embora e dizer-te que o cheiro a álcool, tabaco e mulheres não se disfarça com umas pastilhas!  Mas tu entraste e disseste-me o mesmo de sempre e acabamos a noite a dormir juntos como das outras vezes. Espantosamente foi a primeira vez que não me fez confusão o cheiro, a mentira e mesmo depois de todos os planos para discutir contigo foi a única vez que dormi descansada. Penso que deixei de estranhar aquela tua atitude e conformei-me, porque primeiro estranha-se mas depois entranha-se.